Chamada de Artigos para o Dossiê: "BIOGRAFIA E HISTÓRIA: Polifonia e experiências plurais" (v.13 nº2) (2024).

2024-04-09

Prezados autores,

A revista História e Cultura (ISSN: 2238-6270 - Qualis A3) publicação eletrônica semestral de caráter público editada pelos discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS), da UNESP/Campus Franca, em conjunto com as organizadoras Ma. Priscila Rosa Martins (UFSC) e Dra. Patricia Ladeira Penna Macêdo (UFRN/UNIRIO), convida todos os membros da comunidade acadêmica a enviarem suas contribuições para o dossiê "BIOGRAFIA E HISTÓRIA: Polifonia e experiências plurais" (v.13 nº2) (2024).

Os textos devem seguir nossas Diretrizes para Autores e devem ser encaminhados pelo sistema da revista até dia 12 de agosto de 2024.

Resumo da Proposta

Nas palavras de Marc Bloch (2001, p. 55), a História é a “Ciência dos homens”, ou melhor, “dos homens, no seu tempo”, portanto, para o autor, a história não é um mero registro de datas e eventos, mas sim uma exploração das vidas e sociedades que deram forma ao mundo e são agentes e sujeitos da história, uma vez que “os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social” (Bourdieu, 2006, p.190).

De fato, ao longo dos séculos, percebemos como as ações consideradas notáveis e seus personagens figuram em nosso imaginário e estudos, garantindo aos biografados uma vida histórica, ou seja, um espaço permanente na memória coletiva. No entanto, por muitos anos, isso foi feito sobretudo para os chamados “grandes homens”, em geral, líderes políticos e militares, com características bem similares, a grande maioria homens, brancos e héteros, concomitante à construção de instituições com a finalidade de salvaguardar os registros desse grupo. Nesse cenário, eram poucas as mulheres a serem biografadas, geralmente, apareciam aquelas que procediam de uma relação familiar, a exemplo de mães, filhas, irmãs e esposas, assim como indivíduos pertencentes aos setores subalternos das sociedades, como os submetidos à escravização, ao recolhimento de casas de custódia, hospitais psiquiátricos, ou ainda excluídos por suas características e práticas, a exemplo dos povos originários, dos refugiados, entre tantos outros.

Essa visão restritiva da história não apenas limitou a compreensão do passado, mas também perpetua estereótipos e preconceitos, mantendo muitos à margem das narrativas históricas. Na atualidade, a busca por compreender as nuances das experiências humanas ao longo do tempo mostrou a necessidade de se incorporar as diversas vozes e as muitas experiências humanas, trazendo à luz não apenas as biografias de figuras proeminentes, mas também as histórias de indivíduos cujas contribuições, muitas vezes, passavam despercebidas:

"[...] interessa-nos cada vez mais as memórias individuais, especialmente as traumáticas e aquelas das vítimas, que podem nos fazer melhor compreender esses tantos passados autoritários e que nos investem de maior mobilização empática. [...] A biografia é o lugar de investimentos não apenas intelectuais, mas afetivos, políticos e memoriais." (Avelar; Schmidt, 2018, p. 11)

Nesse cenário, a biografia histórica torna-se peça-chave para fortalecer o compromisso com a justiça social e inspirar mudanças significativas em como a história é investigada, ensinada e compreendida. As incoerências, incertezas, descontinuidades, irracionalidade são características presentes na trajetória dos indivíduos, fornecendo pluralidade para os registros em que se revela o impacto narrativo o qual História e Literatura compartilham. Sobre esse aspecto, Avelar (2007, p. 56) destaca a articulação de uma vida individual ao todo coletivo:

As novas produções biográficas têm procurado rejeitar a ideia de uma vida linear e coerente para os seus personagens, privilegiando facetas diversificadas de suas existências, numa constante transição do social ao individual, do inconsciente ao consciente, do público ao privado, do familiar ao político, do pessoal ao profissional, sem tentar reduzir todos os aspectos da biografia a um denominador comum.

A identificação de fontes capazes de registrar os “indesejáveis” têm se tornado objeto de análise e reativação das narrativas inscritas a partir dos próprios sujeitos e/ou das instituições as quais foram “subjugados”. É o exemplo do uso de arquivos pessoais, história oral, jornais, relatórios policiais, prontuários médicos, registros cartorários ou mesmo a chamada para doação de seus próprios documentos, a exemplo do projeto Memórias Reveladas. Assim, parte-se de recursos de uma “memória individual” para a reescrita da “memória coletiva”.

"Não é menos verdade que não nos lembramos senão do que vimos, fizemos, sentimos, pensamos num momento do tempo, isto é, que nossa memória não se confunde com a dos outros. Ela é limitada muito estreitamente no espaço e no tempo. A memória coletiva o é também: mas esses limites não são os mesmos." (Halbwachs, 1990, p. 54)

Vale ressaltar que, por muito tempo, historiadores, em especial, os acadêmicos, consideraram que as biografias seriam incapazes de explicar os grandes movimentos da história. No entanto, elas nunca deixaram de figurar em nosso universo de leitura e conhecimento, apesar de, muitas vezes, estarem relacionadas à curiosidade no âmbito da peculiaridade. Esse movimento, identificado por Gomes (2004, p. 13-16) como “sociedade da intimidade”, extrapola o universo do homem público ou dos heróis, mas ainda não consegue integrar a pluralidade de indivíduos ou se desassociar de estereótipos construídos ao longo do tempo.

No Brasil, é somente a partir dos anos 1980 que a biografia é ressignificada pelo debate historiográfico ampliando suas possibilidades, sujeitos e fontes. Submetidas enquanto matéria de pesquisa, as autobiografias, biografias e trajetórias de vidas destacam-se como relevante material de pesquisa e divulgação. De acordo com Gonçalves e Silveira (2021), as narrativas biográficas têm se consolidado como importantes fontes de informação e de memória, pois são capazes de retratar tanto uma vida específica quanto por descrever relações humanas, padrões de comportamento social e dinâmicas culturais singulares a um momento histórico ou a um lugar.

A possibilidade de ampliar os debates e de trazer à tona trajetórias esquecidas, obscuras, anônimas, trágicas e também marginais, conforme definido por Borges (2012), é o que nos motivou a propor este dossiê, que busca incentivar diálogos e reflexões que promovam uma história mais inclusiva, plural e representativa. 

A partir do compartilhamento de histórias e experiências que foram suprimidas ou ignoradas nos relatos tradicionais e oficiais, busca-se apresentar artigos que abordam as lutas, resistências e contribuições de povos colonizados, povos indígenas, comunidades afrodescendentes, mulheres, pessoas privadas de liberdade e outros grupos que, muitas vezes, foram invisibilizados e/ou sub-representados. 

Esses trabalhos não apenas cumprem com o objetivo de justiça e equiparação social, mas também atuam como possibilidade de uma compreensão mais precisa e rica das experiências humanas ao longo do tempo, de forma que exigem, inclusive, tomadas de decisão para quem pesquisa. Sobre as dificuldades do trabalho com os gêneros biográficos, Schwarcz (2013, p. 52) enumera: 

Em primeiro lugar, é fácil cair na tentação de tentar dar unicidade e “inventar” trajetórias contínuas para nossos objetos de estudo, os quais, por sinal, insistem em não se comportar como prevíramos ou gostaríamos que se conduzissem. Em segundo lugar, ainda muito marcados por uma histoire evenementièlle, ora selecionamos personagens proeminentes ora tentamos transformá-los em figuras de proa. Ou seja, buscamos conferir evidência a sujeitos que em seu contexto possuíram pouco destaque, como se a importância de uma pesquisa estivesse limitada ao registro e constatação da proeminência do objeto selecionado. Em terceiro lugar, com relativa angústia, mas com o intento de “defender” nossas “obras”, acabamos por criar heróis – paladinos em sua coerência – e poucas vezes nos contentamos em deixar brotar ambivalências tão próprias às vidas dos outros, que são também nossas. O resultado, muitas vezes, é a construção de biografias que se comportam quase que como destinos; ou verdadeiros tribunais de defesa.

 Nossa proposta é explorar as várias dimensões humanas, destacando vozes, narrativas, olhares, perspectivas e práticas que têm sido frequentemente negligenciadas. Ao reconhecer a complexidade da experiência humana ao longo do tempo, podemos desafiar os estereótipos que limitaram o escopo da história por tantos anos. Com este dossiê, buscamos resgatar e ampliar as histórias que foram suprimidas, subvalorizadas ou esquecidas e, assim, contribuir para uma compreensão mais abrangente da história e da representação social, enriquecendo nossa visão do passado e, consequentemente, incitando mudanças para o presente.

Referências

Avelar, Alexandre de Sá. A retomada da biografia histórica. Oralidades: Revista de História Oral, São Paulo, ano 1, n. 1, jan./jun., 2007.

Avelar, Alexandre de Sá; SCHMIDT, Benito Bisso. O que pode a biografia hoje? In: Avelar; Schmidt (org.). O que pode a biografia? São Paulo: Letra e Voz, 2018.

Bloch, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

Borges, Viviane Trindade. Loucos nem sempre mansos. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2012.

Bourdieu, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos e abusos da história oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006. p. 183-191.

Gomes, Angela de Castro. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: ______. Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

Gonçalves, R. de C.; Silveira, F. J. N. Biografias e autobiografias como fontes de informação e memória. InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 12, n. 1, p. 82-103, mar./ago. 2021. 

Halbwachs, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Vértice, 1990.

Schwarcz, Lilia Moritz. Biografia como gênero e problema. História Social, Campinas, n. 24, 2013.